Cego de paixão (Ficção)
Nando
da Costa Lima
Cleonildo
saiu do matinê do Cine Ritz pisando nas nuvens, não pelo filme, mas pela
presença da viúva Julinda, sua paixão! Entrou no bar Lindoya, chupou uns dez
picolés de coco só pra aliviar a tensão e não beber, quem mais sabia que não
podia beber era ele, se bebesse ia acabar atacando a viúva que não lhe dava a
mínima. Não dava bola nem pros fazendeiros, quanto mais pra ele que nem emprego
tinha, vivia de biscate! Agora então que o circo foi embora, tava sem fazer
nada. Mas nesses casos o cão atenta, a paixão e o tesão pela viúva levaram o
infeliz ao pé do balcão, foi bater no Bar Pinguim. Lá ele tomou todas a que
tinha direito arquitetando um jeito de traçar a viúva na marra, até a touca de
meia pra colocar no rosto já tava no bolso, ia realizar seu desejo de qualquer
jeito. Sabia que estupro é crime, mas a tara falou mais alto. E foi naquela
noite de sexta-feira sem lua que Cleonildo, sabedor dos caminhos percorridos
pela viúva e movido pela paixão, pôs seu hediondo plano em ação. Tava mais
bêbado que um gambá na hora que pegou a viúva à força, tapou a bocacom a toalha
roubada do bar e jogou duro, a cachaça parece que deu força ao pervertido, deu
mais de três, deixou a viúva quase desacordada. Correu pra casa já arrependido
da brutalidade que cometeu com seu amor de tantas fantasias. Não conseguiu
dormir, tinha que procurar um amigo pra desabafar, só confessando pra diminuir
o peso de tanto barbaridade. Ajoelhou no confessionário e não deu tempo pro
padre nem respirar, foi logo abrindo o jogo: “É seu padre, tô com vergonha até
de começar, mas é melhor contar... O senhor sabe de minha paixão pela viúva
Julinda, né? Pois ontem eu não resisti, foi um gesto tresloucado, eu estava
bêbado e parti pra ignorância. Fui até grosseiro, ela estava de vestido longo,
devia tá indo pra festa de gala no salão do Clube Social, mas minha vontade era
tanta que foi de qualquer jeito, não respeitei nem o luto. Joguei duro seu padre...
tô arrependido mas não posso negar que tô satisfeito! E pelo gemido e o
assanhamento tava gostando, só não revelei quem era pra minha paixão com medo
dela não me admitir por ser pobre e tampinha. Vou sair daqui direto pra
delegacia, eu sei que o que fiz merece cadeia, é coisa de gente safada, vou me
entregar pro delegado”.
Quando ele acabou de falar e baixou a
cabeça esperando um sermão do vigário e a penitência, o padre pulou de dentro
do confessionário, todo vermelho e gritando pro sacristão “Socorro, chama a
polícia, achei o pervertido que me atacou ontem a noite perto do Jardim das
Borboletas, socorro. Não foi o tarado da Normal não! Foi o anão do circo de
Xiribita... socorro”!
Este caso acabou sendo abafado, ia pegar
mal se caísse na boca do povo... E Cleonildo “pé de mesa” nunca mais foi o
mesmo depois do ocorrido! Se picou pra São Paulo. Foi Paixão!.. E ninguém da
cidade entendeu quando a viúva Julinda, uma santa, foi excomungada de uma hora
pra outra”.
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